07 novembro 2006

«A confusão [do Processo] de Bolonha» por João Cardoso Rosas, professor de teoria política na Universidade do Minho

O próprio [Pedro Lourtie] presidente do grupo dinamizador do processo de Bolonha [em Portugal] nunca foi recebido pelo ministro responsável.
O chamado processo de Bolonha é uma imposição burocrática que visa tornar compatíveis entre si os sistemas de Ensino Superior dos Estados europeus e permitir – alegam os Governos – a mobilidade académica e profissional. Mas este processo [de Bolonha] é inútil. Como sabem todos aqueles que estão dentro do Ensino Superior, o facto de não existir até agora essa compatibilização [europeia] dos sistemas [de Ensino Superior] nunca impediu os interessados de tirar cursos de graduação ou pós-graduação noutros países, de dar aulas nesses países, de ter projectos de investigação internacionais, etc. Também não é a falta de compatibilidade dos sistemas [de Ensino Superior na Europa] que impede os interessados de encontrar trabalho no estrangeiro. Os obstáculos à mobilidade sempre foram os [problemas] do desconhecimento da língua e das características próprias dos outros países e, sobretudo, a preferência que os países dão aos seus nacionais no acesso à educação e ao trabalho. Nada disso mudará com [o processo de] Bolonha.

Apesar da óbvia inutilidade do processo [de Bolonha], ele tem ocupado os dias (as semanas, os meses...) dos universitários. Em vez de se dedicarem a investigar e a ensinar, os professores universitários por esse país fora – incluindo eu próprio – têm passado o tempo em reuniões tão prolongadas quanto inúteis para ajustar as licenciaturas e os mestrados oferecidos pelas suas Universidades aos requisitos [do processo] de Bolonha. Um dos requisitos tem a ver com a duração dos graus. A maior parte das formações terá de optar entre dois modelos alternativos: 3+2 anos, ou 4+1 (ou 1,5), correspondendo o primeiro algarismo de cada soma à licenciatura e o outro ao mestrado.

Uma vez que o próprio processo de Bolonha é imposto e não opcional, esperava-se uma definição destas durações pela tutela. Mas, como veio a público este fim de semana, o próprio presidente do grupo dinamizador do processo nunca foi recebido pelo ministro responsável e até desconhece se a sua nomeação para o cargo é oficial. No meio deste caos, as Universidades têm estado a trabalhar na reestruturação dos cursos em função dos dois modelos. Numa semana consta que vencerá um deles, na semana seguinte diz-se que é o outro que vingará. Numa área prefere-se o primeiro, noutra escolhe-se o segundo. Numa Universidade opta-se por um modelo, na outra elege-se o modelo alternativo.

A partir do próximo ano teremos, por exemplo, a Universidade de Lisboa a oferecer licenciaturas de três anos, nominalmente iguais às que na Universidade do Porto são de quatro anos. Se um estudante for de Lisboa para o Porto com uma licenciatura de três anos será admitido num mestrado ao qual concorrem licenciados de quatro anos? Nos mestrados colocam-se problemas idênticos. Um estudante que fez um mestrado de um ano e meio no Porto terá equivalência a esse grau numa universidade de Lisboa em que ele dura pelo menos dois anos (por exemplo para seguir para doutoramento)? É claro que se poderia ultrapassar formalmente estes problemas com o sistema de créditos. Bastaria atribuir em três anos os mesmos créditos que outros fazem em quatro. Mas, nesse caso, tal sistema configuraria uma fraude uma vez que, por muitas voltas que se dê, 3 anos de frequência universitária nunca serão o mesmo que 4 e 2 [anos] nunca serão o mesmo do que 1 [ano]. A situação é curiosa: um processo [de Bolonha] que visava tornar compatível o nosso sistema [de Ensino Superior] com o exterior pode acabar por criar incompatibilidades a nível interno.

Para além de todo este imbróglio, coloca-se a questão de saber qual a duração dos graus mais adequada para o nosso país. Parece-me óbvio que é o 4+1 (ou 1,5). Por um lado, os nossos mestrados são demasiado longos e pesados em relação à prática internacional e isso, efectivamente, penaliza os estudantes portugueses. Faria sentido encurtar os mestrados para um ano ou um ano e meio. Por outro lado, as licenciaturas de quatro anos estão adequadas ao facto de o ensino básico e secundário entre nós ser de 12 anos. Nos países que têm licenciaturas ou graus equivalentes de três anos os estudantes têm um percurso prévio de 13 anos. Se nós passarmos a ter licenciaturas de três anos estaremos a formar os graduados menos qualificados do espaço europeu.
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João Cardoso Rosas é professor universitário de Teoria Política na Universidade do Minho e publicou o presente artigo de opinião («A confusão de Bolonha») no «Diário Económico», a 20 de Dezembro de 2005.

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